Sexta, 30 Julho 2021 00:34
ECONOMISTA DO DIEESE

Painel debate transformações no sistema financeiro e os impactos sobre o emprego

Fernando Amorim fala das consequências das novas tecnologias e das fintechs no trabalho da categoria bancária e os desafios da organização sindical
Bancos e financeiras digitais: aplicativos levam serviços bancários à palma da mão dos clientes. Por trás das facilidades há riscos para o emprego da categoria bancária e para a própria solidez do sistema financeiro Bancos e financeiras digitais: aplicativos levam serviços bancários à palma da mão dos clientes. Por trás das facilidades há riscos para o emprego da categoria bancária e para a própria solidez do sistema financeiro

 

Carlos Vasconcellos

Imprensa SeebRio

 

O economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Fernando Amorim, apresentou um painel sobre as transformações no trabalho bancário em função das novas tecnologias e das empresas digitais do setor financeiro em aplicativos. O especialista começou falando das transformações institucionais e tecnológicas que começaram a ocorrer nos bancos e mercados de capitais nos anos 80 e das privatizações das instituições estaduais nos anos de 1990 e 2000, que extinguiram empregos e reduziram o tamanho da categoria.

As mudanças no capitalismo

Amorim lembrou que o desmonte do estado e o papel do sistema financeiro na economia passaram a ter papel central no capitalismo, citando as mudanças que acoplaram cada vez mais os países e mercados a um sistema financeiro internacional e o Consenso de Whashigton, resultando em transformações institucionais nos países. O Consenso foi uma conjunto de medidas formuladas em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras, como o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, que apregoava o receituário neoliberal como solução para as economias capitalistas num mundo “globalizado”.

“Ocorreu uma agenda internacional que disseminava que ‘o mercado tem uma informação perfeita’ e o Brasil manteve um sistema financeiro sólido e criou um modelo enxuto, com fusões e aquisições e privatizações de bancos estaduais. Mesmo com o risco sistêmico como ocorreu nos EUA, o sistema brasileira mostrou-se mais forte por que o Banco Central  mantém uma certa rigidez do sistema. A partir dos anos 2000, com a maior formalização do mercado de trabalho, aumentou oferta de crédito para impulsionar o desenvolvimento econômico, mas este modelo resultou numa crise, gerando maior endividamento da população e muitas vezes os países não sabem como reverter estes impasses”, explicou, acrescentando que o Brasil criou um oligopólio em que cinco bancos (Itaú, Bradesco, Santander, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) concentram 85% das operações financeiras.

A quinta onda e os empregos

O economista falou da chamada quinta onda, com a inovação bancária e novas tecnologias, fintechs, Big Techs, Open Banking, moedas digitais (criptomoedas) e PIX,

“Novos meios de pagamento e operações financeiras estão acontecendo numa velocidade muito rápida no mundo e são muito pouco reguladas pelo Banco Central. O sistema corre mais riscos, embora a intenção do BC seja a de incluir estes novos agentes financeiros na perspectiva de que novas ofertas favoreceriam os consumidores”, destacou, lembrando que o Brasil não conseguiu superar o cartel bancário que aplica juros exorbitantes e lucros gigantescos.

As novas tecnologias impactam profundamente no trabalho bancário, reduzem unidades físicas e extinguem empregos. Mas as reformas estruturais, como a trabalhista, também precarizaram  ainda mais o trabalho no país, reduziram a média dos salários do trabalhador, criando um exército maior de pessoas vulneráveis e do mercado informal, na avaliação de Amorim.

“Num país desigual, pessoas passaram a baixar aplicativos e contratar serviços e empréstimos”, disse o economista, lembrando que estas facilidades deverão endividar ainda mais as famílias brasileiras, além dos riscos de uma crise que poderá gerar um sistema financeiro sem controle. Citou que um indivíduo no Quênia, país pobre da África, pegou 28 empréstimos, adquiria um empréstimo para pagar outro.

“Com as novas tecnologias, um indivíduo pobre no Acre vai poder pegar um empréstimo com uma fintech sem análise de crédito e provavelmente vai acabar se endividando ainda mais”, destacou, mostrando os riscos dos efeitos que as facilidades de financeiras digitais poderão trazer ainda mais sobre a economia do país e a imprevisibilidade destes impactos sobre a solidez do sistema financeiro nacional.

As fintechs avançam velozmente no Brasil: em 2000 eram pouco mais de 100 empresas destas no país. Hoje são mais de 800. Em 2021 já são 1.158. “O BC não tem noção do que acontece e isto coloca em risco a segurança do sistema", disse. 

Entre os impactos destas novas tecnologias que levaram ao surgimentos de bancos e financeiras digitais que se ampliam no mercado, além do fechamento de agências físicas e demissões de bancários, cresceram demanda por novas funções e profissões.

“A Tecnologia da Informação (TI) é o setor que mais cresceu nas contratações dentro dos bancos e estes profissionais já respondem por 4% da categoria no país e em São Paulo, matriz do centro financeiro, chega a 10% e ainda há o impacto das cooperativas e correspondentes bancários. Estas mudanças fizeram com que apenas 49% dos trabalhadores do setor financeiro sejam cobertos pela convenção de trabalho, isso com dados de 2019. Em 2006, esta cobertura alcançava 81% dos empregados do sistema financeiro”, disse.

Outro número que assusta mostrado por Amorim é que, em 2012 eram 70 mil bancários saindo do emprego formal para trabalhar por conta própria e este número chega agora a 130 mil. De 2020 a 2021 13 mil trabalhadores do setor migraram do emprego bancário formal para tornarem-se autônomos, um aumento de 129% no período.

Os dados revelam que muitos brasileiros têm sido seduzidos pela promessa fácil do discurso neoliberal para o trabalhador deixar o seu emprego de carteira assinada e tornar-se um “microempreendedor” autônomo, sob a promessa de ganhar muito dinheiro, mas a realidade na maioria esmagadora das vezes é bem diferente e está mais para resultar em um trabalho precarizado, a chamada “uberização” das atividades profissionais.

É comum ainda propagandas de enriquecimento fácil nas redes sociais através de fórmulas mágicas de investimento no mercado financeiro, mas normalmente quem acaba ganhando muito dinheiro são os “gurus” dessas aulas e dicas virtuais. E são estes riscos que levaram o movimento sindical a debater o tema nos encontros estaduais dos bancários para alertar a categoria da ‘furada’ que pode ser abandonar o emprego de carteira assinada para ser um “autônomo” do mercado financeiro.

O economista do Dieese terminou sua participação mostrando também que consultorias do setor financeiro agregaram 57 mil trabalhadores em diversas modalidades e as fintechs empregam cera de 57 mil. Os números não são transparentes pois são das próprias empresas.

"Os sindicatos têm o grande desafio de buscar meios de representar e dialogar com estes trabalhadores e de encontrar formas de incluir estas pessoas na categoria, pois eles não possuem qualquer representação sindical”, concluiu Amorim.

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