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Diagramação: Marco Scalzo
Diretora de Imprensa: Vera Luiza Xavier
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Imprensa SeebRio
Nesta entrevista, Paulo Flores fala sobre os interesses que estão por trás da mídia empresarial. Avalia também o comportamento destes grandes meios de comunicação em relação ao governo Lula. Paulo Flores é jornalista há 25 anos e faz parte da equipe da Secretaria de Comunicação da Confederação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT). Formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMSP), é especialista em Marketing Político pela Universidade de São Paulo (USP), já tendo trabalhado na mídia empresarial e em assessoria de imprensa parlamentar e de outras entidades sindicais bancárias, como a Fetec/SP.
Imprensa SeebRio – Em 1º de janeiro de 2023, Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse como o 39º presidente do Brasil em seu terceiro mandato. Como você avalia a cobertura que tem sido feita pela mídia empresarial sobre o governo Lula nestes dois anos?
Paulo Flores – Quando você me pede para fazer uma avaliação da “mídia empresarial”, já me dá um viés para a análise. Todo veículo de comunicação tem um dono, que é um empresário. Ou seja, se o dono é um empresário, seu veículo de comunicação vai defender o lado do empresariado. Então, todas as propostas, deste ou de qualquer outro governo, que possa causar algum entrave para o empresariado, vai receber críticas deste tipo de mídia.
Então, minha análise, neste sentido, é que a “mídia empresarial” está fazendo muito bem o papel dela de “mídia empresarial”. Relativizando tudo o que o governo faz, ou tenta fazer, de bom e destacando qualquer deslize.
Mas, além disso, precisamos levar em conta que estamos vivendo um período de ascensão da direita em todo o mundo. E, no Brasil, temos um Congresso Nacional com maioria absoluta conservadora e de direita nas duas casas. Assim, o governo não consegue avançar muito em pautas necessárias para a classe trabalhadora e fica ainda mais sujeito a críticas da “mídia empresarial”, mas também da própria população que elegeu o governo, pois o povo não entende, ou não quer saber que não é o governo que não faz o que precisa ser feito, é o Congresso que o amarra.
Imprensa SeebRio – É um contexto complicado para o Brasil.
Paulo Flores – Sim. Outro agravante, que faz inclusive com que esta situação se prolongue, é que a direita se embrenhou em espaços sociais que antes eram ocupados pela esquerda. Espaços que antes eram ocupados pelas Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs, e pelas pastorais sociais das igrejas cristãs tradicionais, principalmente católicas, que seguiam uma linha ligada à teologia da libertação, agora estão nas mãos de neopentescostais. Em cada cantinho, em cada comunidade, há uma, ou mais, igrejas, geralmente nas mãos de algum “pastor” que segue a linha da teologia da prosperidade e dá uma linha de “negócio” para sua empresa, quer dizer, igreja. Esse “pastor-empresário” busca prosperidade para seu negócio mesmo que, para isso, tenha que defender a manutenção da conjuntura de privilégios para uns poucos à custa da exploração de muitos, como todo empresário. O que é o inverso do que é pregado por Jesus Cristo.
Esta mesma situação se repete em outros espaços sociais. Nas escolas, que antes funcionavam grêmios estudantis e os professores debatiam questões sociais nas aulas, agora viraram ambiente para os conteúdos da Brasil Paralelo, uma instituição de direita que se infiltrou nas escolas e vende conteúdo de direita para as aulas. E assim acontece em vários ambientes sociais.
Quem leu Gramsci, sabe da importância destes espaços para a disputa da hegemonia social. E, por isso, além de vencermos a “mídia empresarial” com veículos de comunicação alternativos, a esquerda e o governo de esquerda precisa voltar a ocupar estes espaços na estrutura organizada da sociedade civil para tentar reverter a correlação de forças.
Imprensa SeebRio – Você vê neste comportamento dos grandes veículos de comunicação uma forma de defender os interesses dos seus anunciantes, bancos, agronegócio e outras grandes empresas?
Paulo Flores – A defesa dos anunciantes é apenas um ponto. Este tipo de cobertura vai muito além da defesa dos anunciantes. Estamos falando de luta de classes. Omitem os benefícios da elite empresarial e financeira e jogam a culpa na previdência social, por exemplo. Isso não é apenas defesa dos anunciantes. É luta de classes.
Imprensa SeebRio – Jornais, rádios e tevês repetem que ‘o mercado não gostou’, por exemplo, do tamanho do ajuste fiscal ‘pois foi insuficiente’ ou da isenção do imposto de renda para quem ganha R$ 5 mil e da redução até R$ 7 mil, ou da cobrança de imposto aos super ricos. Quem afinal é este ‘mercado’ e por que tem tanto poder sobre os meios de comunicação?
Paulo Flores – A explicação é complexa. Então, vou falar grosso modo, havendo risco de alguma imprecisão. O que eles reclamam é do tamanho do déficit fiscal do governo. Queriam mais cortes de gastos para sobrar mais dinheiro público para eles. É que este déficit é criado quando o governo, sem dinheiro, emite “papéis da dívida pública”. Muitos destes papéis são remunerados com juros pós-fixados. Compra-se o título, e, na hora da venda, o governo tem que pagar a taxa de juro do momento. A maioria destes papéis estão nas mãos dos bancos. Que ganham com os juros altos cobrados da população e mais ainda com os juros altos pagos pelo governo. Então, se o governo baixa os juros, ele sai ganhando muito e a população também. E este é o mercado financeiro, que não quer a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil, ou não quer o aumento do salário mínimo, porque se não o governo pode não honrar o pagamento dos juros absurdos destes papeis, ou terá que cobrar algum imposto dos especuladores, que querem apenas ganhar, sem pagar nada.
Imprensa SeebRio – Quais os principais avanços postos em prática pelo governo Lula que a mídia não fala?
Paulo Flores – O Lula é um exímio articulador político. Mesmo com este Congresso Nacional com maioria absoluta de oposição, ele conseguiu aprovar uma reforma tributária que traz benefícios para a população e impõe algum tipo de cobrança para os super ricos. A taxação dos fundos exclusivos, que são fundos de investimentos fechados de grandes investidores e das offshore, por exemplo, é um destes avanços. Mas, a isenção de IR para quem ganha até dois salários-mínimos e a retomada da política de valorização do salário-mínimo são dois exemplos que devem ser muito valorizados, pois interessa à base da pirâmide social. E, se for aprovada a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil e concedidos descontos a quem ganha até R$ 7 mil, será um avanço ainda maior. Mas, é claro que é preciso haver uma taxação de quem ganha mais, para que o governo consiga continuar prestando os serviços públicos que beneficia esta população. Se não, ele dará com uma mão e tirará com outra. É por isso que todos os trabalhadores, que querem a isenção do IR, precisam também lutar para a taxação dos super ricos e daqueles que têm alta renda.
E só de o Lula ter colocado este debate para a sociedade já é um avanço. Pois aqui sempre se taxou o consumo, que penaliza o mais pobre e beneficia o mais rico. Taxar a renda e a riqueza é a melhor forma de promover a justiça tributária e a distribuição da riqueza que o país produz.
Imprensa SeebRio – Qual a importância das mídias que são independentes do grande capital, incluindo aí a mídia sindical e dos movimentos sociais em geral, mas também o ‘247’, ‘Revista Fórum’, ‘Terapia Política’, ‘Mídia Ninja’, ‘Meio’ e ‘Outras Palavras’, entre outras, que tentam ser uma alternativa aos grandes meios de comunicação?
Paulo Flores – Vladimir Lenin nos ensinou que a classe trabalhadora precisa ter seu próprio meio de comunicação. Não podemos ficar reféns das informações que nos são fornecidas pelos veículos de comunicação empresariais. Então, estes veículos são importantes. E temos que trabalhar para, cada vez mais, termos veículos de qualidade, que nos trazem informações confiáveis e nos ajudem a termos uma visão crítica da sociedade e até mesmo do governo que a gente ajudou a eleger, para que a gente consiga ajudá-lo a melhorar e atuar sempre para melhorar as condições de vida do trabalhador.