Sexta, 26 Fevereiro 2021 19:53

TRT anula decisão de juíza e reintegra bancário do Bradesco demitido após cirurgia na pandemia

Olyntho Contente

Imprensa SeebRio

Uma aula sobre como deve ser exercida a justiça no Brasil, com base na lei e levando-se em conta a função social das empresas, sobretudo em situações de calamidade, como a que se vive hoje em todo o mundo, em função da pandemia do novo coronavírus e seus impactos sociais. Assim se pode qualificar a decisão da desembargadora Maria Helena Motta, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 1ª Região. A magistrada acolheu mandado de segurança, anulando, liminarmente, a decisão da juíza da 42ª Vara do Trabalho, Nelise Maria Behnken, que negou a reintegração do bancário Flávio Paes da Gama, apesar de ter sido demitido pelo Bradesco doente, de licença pelo INSS após cirurgia e durante a pandemia, rompendo o compromisso de não demissões neste período.

O mandado foi elaborado pela advogada Manuela Martins do Jurídico do Sindicato. A decisão da primeira instância foi tomada mesmo levando em consideração que Flávio trabalha há 30 anos no banco, sofre de síndrome do túnel do carpo, no pulso, doença causada pelas tarefas que desempenha, como admitiu o próprio Bradesco. É hipertenso e diabético tipo 2, fazendo parte do grupo de risco para agravamento da covid-19. Além disto, foi submetido a cirurgia em 11 de novembro último, tendo sido considerado inapto para o trabalho, estando em auxílio-doença pelo INSS, de 27 de outubro de 2020 a 31 de janeiro deste ano. Como a demissão ocorreu em 14 de outubro, foi ilegal.

“Nos termos da Súmula nº 371 do C. TST, a concessão de auxílio-doença no curso do aviso prévio faz com que os efeitos da dispensa somente se concretizem após expirado o benefício previdenciário. Ou seja, deveria ter sido suspensa sua dispensa até 31/01/2021 e, com a projeção do aviso prévio, o autor goza de estabilidade até 1º/05/2021. Nestes termos, por este fundamento, já é devida a reintegração”, frisou em seu despacho.

Cirurgia e pandemia

A desembargadora acrescentou que em face da cirurgia em novembro e estando em licença até 31 de janeiro, o bancário ainda não se encontra totalmente recuperado e, dificilmente, na pandemia, conseguiria novo emprego. “Analisando-se os interesses em conflito, há necessidade de proteção ao emprego de trabalhador que porta doença incapacitante e que trabalhou para a empresa por 30 anos; em detrimento do banco empregador que apenas quer exercitar o direito potestativo de resilir o contrato de trabalho. As empresas devem observar sua função social”, ressaltou.

A juíza negou também a reintegração com base no compromisso público (expressão que colocou entre aspas), assumido pelo banco com o Comando Nacional dos Bancários, e que passou a constar de normativo interno do Bradesco. A desembargadora frisou que “o Banco, de fato, assumiu compromisso de não efetuar dispensas de empregados por conta da crise causada pela pandemia de covid-19, o que vai ao encontro do que constatei em diversas ações (como por exemplo, MS-0103718-63.2020.5.01.0000), sobre essa mesma questão, nas quais aferi que no documento “Relatório de Capital Humano Bradesco- 2º Trimestre de 2020”, foi firmado o pacto de não efetuar dispensas, por conta da crise causada pelo covid-19”.

Princípios constitucionais

Citou a Constituição Federal para lembrar que diante do cenário devastador causado pela pandemia, em especial para a classe trabalhadora, assombrada pelo desemprego e a fome, há que se ressaltar que a livre iniciativa como princípio da ordem constitucional, vincula a ordem econômica à valorização do trabalho humano, de modo a assegurar a todos, existência digna, conforme os ditames constitucionais da justiça social.

E acrescentou: “A liberdade de iniciativa econômica privada, não é um cheque em branco para ignorar o bem comum e o abandono à própria sorte de trabalhadores que por longos anos colaboraram para o enriquecimento de seu empregador, valendo lembrar o ensinamento de José Afonso da Silva (in Curso de direito constitucional positivo. 11a ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 726), a propósito de que essa garantia constitucional não se sobrepõe à realização da justiça social, ao proclamar que “É legítima, enquanto exercida no interesse da justiça social. Será ilegítima quando exercida com objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário”.

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