Quarta, 23 Outubro 2019 17:17

Cinismo e opção pelos ricos marcam aprovação da reforma da Previdência

Reforma faz parte do desmonte e privatização da Previdência que também atinge as agências do INSS prejudicando segurados e servidores Reforma faz parte do desmonte e privatização da Previdência que também atinge as agências do INSS prejudicando segurados e servidores

A crueldade com os assalariados, o cinismo e a opção pelos ricos foram as características mais marcantes da tramitação da Proposta de Emenda Constitucional número 6 (PEC 6), que instituiu regras duríssimas para aposentadorias e pensões, metendo a mão no bolso do trabalhador para economizar em dez anos cerca de R$ 800 bilhões. O ato final da tramitação foi concretizado nesta terça-feira (23/10), quando a reforma foi aprovada no plenário do Senado Federal por 60 votos a 19.

A cereja do bolo da crueldade e do escárnio com os trabalhadores foi a declaração mentirosa do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM), de que com as mudanças estava se fazendo “justiça social”. Muito ao contrário, com a PEC 6 o governo Bolsonaro, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), que fizeram um pacto pela aprovação da matéria, mantêm intocada a Previdência do alto escalão dos três poderes (a do próprio presidente da República e seus ministros; dos senadores e deputados; de magistrados – juízes, desembargadores e ministros das várias instâncias do Judiciário); e dos militares.

Ao mesmo tempo, aumenta o tempo exigido para a aposentadoria dos trabalhadores e reduz os seus valores; não institui nenhuma medida para cobrar as dívidas das empresas e bancos sonegadores bilionários; nem aumenta a alíquota de contribuição dos mais ricos. Ou seja, não corta onde deveria cortar nem aumenta receita onde deveria. Deixa claro a opção do governo, parlamentares e do presidente do STF, Dias Tóffoli, pelos ricos.

Só com a cobrança aos grandes sonegadores entrariam, por ano, nos cofres da Previdência, mais de R$ 600 bilhões. E mais R$ 30 bilhões também anuais da apropriação indébita de empregadores que descontam dos salários e não repassam as contribuições previdenciárias. O Congresso se negou a aprovar a cobrança de tributação sobre exportações do agronegócio, hoje isento e que renderia R$ 83 bilhões para o INSS. Foi mantida ainda a isenção sobre lucros e dividendos, a criação do imposto sobre grandes fortunas e o aumento da alíquota máxima do imposto sobre heranças. Continuam isentas de tributação a venda de aeronaves e embarcações de passeio.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta justificar a reforma pela ‘necessidade‘ de economizar para equilibrar as contas públicas, mas esta argumentação é falsa. Tanto é que Guedes e Bolsonaro mantiveram a isenção de impostos (Imposto de Renda e Contribuição Sobre o Lucro Líquido - CSLL) das petroleiras multinacionais, instituída pelo ex-presidente Michel Temer (MDB). Esta isenção gera uma perda de impostos de R$ 1,8 trilhão por ano. Ou seja, mais do que a economia de R$ 1 trilhão, inicialmente prevista pelo ministro com a reforma.

Reforma é cruel e injusta

As mesmas regras da reforma valem para os servidores e trabalhadores do Regime Geral da Previdência Social. O cálculo do benefício mudou muito e para pior: o trabalhador vai demorar muito mais tempo para se aposentar, se conseguir se aposentar, para receber um valor muito menor. Basicamente, o texto aprovado exige idades mínimas para se requerer a aposentadoria de 65 anos para homens e 62, para mulheres. Também altera o cálculo do valor da aposentadoria a ser recebida: o piso do benefício será de 60% da média de todas as contribuições feitas pelo trabalhador.

Para se aposentar com o valor integral, será preciso ter acumulado 40 anos de contribuições. Portanto esse trabalhador vai perder R$ 4 de cada R$ 10 de aposentadoria. Isso sem contar a alteração das aliquotas de contribuição, que serão unificadas e chegam a até 14%. Serão consideradas todas as contribuições do trabalhador e não apenas as 80% mais altas, como é na regra atual. O que também reduzirá o valor do benefício. O viúvo ou viúva que recebe pensão e tem algum outro benefício sofrerá mais uma redução de 20%. Uma pessoa que ganha R$ 2 mil vai se aposentar com pouco mais de R$ 1 mil se tiver contribuído por 20 anos, e irá deixar para o seu dependendente (viúvo ou viúva) algo em torno de R$ 600.

A proposta também determina 40 anos de contribuição para ter direito ao benefício integral. Por causa da alta rotatividade do mercado de trabalho, cada trabalhador contribuiu pouco mais de 9 meses em 2014, segundo Nota Técnica do Dieese.  Nesse cenário seria necessário esperar 57 anos, depois de iniciar a vida laboral, para completar o correspondente a 40 anos de contribuições.

A transição imposta também será extremamente cruel. Como exemplo, vamos levar em conta: uma pessoa que ganhe em torno de R$ 2 mil, tem 44 anos de idade e contribui há 32 anos ininterruptos. Pelas regras atuais, esse trabalhador poderia se aposentar com mais 3 anos de contribuição. Mas com a proposta de reforma, ele terá de contribuir mais 14,5 anos.

Mais um exemplo de como a reforma penaliza os mais pobres e os que mais trabalham. Um trabalhador de 62 anos que contribuiu 25 anos ganhando salário mínimo por 10 anos, depois mais 10 anos ganhando dois salários mínimos, e mais cinco com 3 salários mínimos, hoje tem direito de se aposentar daqui a três anos ganhando R$ 2.112. Com a reforma, a aposentadoria dele vai cair para R$ 1.462. Um corte de 31%. O tempo mínimo de contribuição, para os homens, passou de 15 para 20 anos. Se essa regra fosse aplicada em 2016, ela impediria que 57% dos brasileiros se aposentassem por idade.

Para quem vale

Trabalhadores e trabalhadoras da iniciativa privada urbanos que entrarem no mercado de trabalho após a PEC ser promulgada só poderão requerer a aposentadoria com 62 anos de idade (mulheres) e 65 anos (homens). As mulheres precisam contribuir, no mínimo, durante 15 anos e os homens têm de contribuir, no mínimo, 20 anos. Os que já estão serão submetidos a regras de transição. 

Os servidores públicos se aposentam com idade mínima: 62 anos (mulheres) e 65 anos (homens). O tempo mínimo de contribuição é de: 25 anos, com 10 anos no serviço público e cinco no cargo. Já os trabalhadores rurais se aposentam com idade mínima de 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens) e tempo de contribuição de 15 anos. Para os trabalhadores da iniciativa privada que já estão no mercado de trabalho, a PEC 06/2019 prevê regras de transição.

 

 

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